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Os Íntimos | Crítica | Tainara Quintana da Cunha| Revista Iluminart

 

Dentro de Ti Ver O MarOs Íntimos– Romance
de Inês Pedrosa
Edição portuguesa: 272 páginas, Dom Quixote
Edição Brasileira: 200 páginas, Alfaguara

 

 

Resenha: Sobre Os Íntimos ou a necessidade de não estar sozinho

Cinco homens, cinco personalidades distintas, cinco vidas diferentes e uma única intenção na chuvosa noite de Lisboa: reunir-se em um restaurante para falar sobre mulheres e amores. Assim o fazem há anos, uma vez por mês, os amigos Afonso, Pedro, Guilherme, Augusto e Filipe, que nada têm em comum, mas que deliberam sobre a vida, partindo de suas experiências individuais ou coletivas. O que permite traçar o perfil de cada um e concluir, ao cabo, que essas cinco mentalidades convergem para a incompreensão do amor transmutado nas vozes femininas presentes na obra, e multifacetado em amor carnal, paternal ou fraterno.
Sobretudo, essas reuniões mensais fazem parte de uma ordem inerente ao ser humano, refletindo sua vontade de não sentir-se só no mundo, mas sim, parte da coletividade e, por conseguinte, próximo daqueles indivíduos cujas semelhanças sobrepõem-se às diferenças, fazendo com que estes, por algum motivo, assemelhemse entre si.
Ao explorar as peculiaridades de cada um desses sujeitos, Inês Pedrosa nos apresenta a história de homens cuja vida está atrelada a existência feminina, considerando que a personagem Afonso, médico oncologista, frequentemente, reflete sobre a morte da pequena Mariana, sua filha de apenas oito anos, que morrera ao cair de uma ribanceira, fato que o faz sentir-se culpado em certos momentos, chegando a despertar sua sensibilidade, posto que ele põe-se a ler sobre o túmulo da menina, numa atitude de arrependimento tardio e na esperança de que ela o escute e o perdoe. Porém, o mesmo não acontece com a mãe da menina, Leonor, de quem lhe é conferida a responsabilidade da retirada de um cancro da mama, "sem prejudicar a autoestima", conforme pedido da própria mulher. Ao contrário, nessa passagem Afonso ri-se, pois jamais poderá compreender como pode uma mulher pode ter a autoestima concentrada nas mamas.
Dessa forma irônica e bem humorada, a autora fala também às mulheres, através das vozes masculinas tão surpresas quanto confusas e convida à reflexão acerca dos avanços femininos nas mais diversas áreas, conforme o desabafo de Afonso, principal voz na narrativa, por representar uma das interfaces do homem contemporâneo e talvez, a personalidade mais complexa, intensa e pulsante de vida, com relação aos outros colegas:
"A emancipação das mulheres parece ter-lhes aguçado um espírito científico perturbadoramente materialista. (...) Acabaram-se os bons sentimentos das mulheres: a timidez, o pudor, a culpa, a entrega desinteressada, enfim, a compaixão. É melhor nem pensar nisso." (PEDROSA, 2010, p.29).
Por afinidade, o protagonista responsável por apresentar seus amigos ao leitor, assemelha-se a Augusto, administrador de uma empresa discográfica que "vê melodia na música mais manhosa", conforme relato jocoso de Afonso. Esses dois amigos partilham de gostos e costumes semelhantes. Afonso goza da fama de sedutor, Augusto também. O primeiro teve um caso com Margarida, que mais tarde o segundo haveria de namorar. Ambos, cada um a sua maneira, sempre encontram uma forma de gabar-se de suas conquistas amorosas, um dos aspectos que faz deles o centro das atenções na mesa do restaurante, sempre muito bem servida por Celinha, habituada aos gracejos dos rapazes.
Ao contrário da espontaneidade de Afonso e Augusto à mesa da tasca, Pedro prefere manter-se fechado no invólucro que o torna distante do mundo e eternamente ligado à mãe. Sem namorada, esposa ou coisa que o valha, o técnico de informática demonstra profundo conhecimento da alma feminina: "O que eu sei das mulheres, meus amigos, é isto: elas são muita gente ao mesmo tempo. Como se trouxessem todas as variedades da vida dentro de seus corpos. Elas são feiticeiras e anjos e putas. E homens também." (PEDROSA, 2010, p. 37).
É através dessa forma perspicaz e observadora de perceber o feminino que Pedro descobre o instinto masculino, o que proporciona a ele descobrir-se enquanto homem viril, másculo e apaixonado por Bárbara, personagem ficcional (e por isso ideal) que adentra em sua vida através de um manuscrito oferecido por uma jornalista brasileira, perdida de amores por ele e que mais tarde tiraria a própria vida por sua causa.
Por sua vez, outra personalidade alterada pelos descompassos da vida e pela ausência do afago da família é Guilherme que preferiu não ser nada, depois que seu pai, sargento, sonhou ver-lhe doutor ou general. Criado em escola militar e, submetido aos rígidos regimes desta instituição, o jovem Guilherme empregou-se, afinal, numa farmacêutica, local onde conheceu sua grande paixão: Clarisse, moça que mais tarde tentaria esquecer com todas as suas forças: "Saí do colégio e empreguei-me na farmacêutica. Nisso tive sorte. Assim encontrei e perdi Clarisse." (PEDROSA, 2010, p. 59).
Todavia, um dos cinco amigos se distingue totalmente dos demais porque, segundo sua autoavaliação, nenhum deles é suficientemente bom para ser equiparado consigo. Seu nome é Filipe, um aspirante a artista que julga seu talento demasiado grande para ficar esquecido num país tão pequeno. Ao lado da mulher, Benedita, outro "talento injustiçado", o último dos cinco amigos perde-se no seu desmedido egocentrismo e dirige-se aos demais de maneira superior.
Assim como ocorre com os outros rapazes, quase tudo o que se sabe de Filipe é dito por Afonso. Segundo ele, "Filipe é um interesseiro incapaz de identificar seus próprios interesses. Um falhado que persiste na falha. Um miúdo imune à introspecção. (...) O louco da aldeia que confirma a sanidade mental dos outros." (PEDROSA, 2010, p. 160).
Mesmo frente às inúmeras diferenças que os cercam, por uma estranha necessidade de estar reunido, o grupo precisa de Filipe e vice-versa. O que justifica a necessidade do ser humano de não estar só, mesmo que isso acarrete a convivência com sujeitos de presenças tão diversas e complexas. Eis nesta afirmação uma das grandes reflexões para a qual nos convida Inês Pedrosa em sua obra Os Íntimos.
A autora promove o enlace de diversas vozes e estilos narrativos num texto fragmentado, convergindo para a busca das respostas que diferenciam homens e mulheres, mas, sobretudo, a obra lança mais questionamentos para que se possa entender o ser humano e os diferentes comportamentos que pautam sua existência como a necessidade de não estar sozinho, por exemplo.

Referência Bibliográfica:
PEDROSA, Inês. Os Íntimos. Objetiva, Rio de Janeiro: 2010.

Tainara Quintana da Cunha, Revista Iluminart, Nov/2012

 
 
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