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Desamparo | Entrevista | por Marta Ferreira | Jornal Dica da Semana

 

Dentro de Ti Ver O MarDesamparo – Romance
de Inês Pedrosa
Edição portuguesa: 320 páginas, Dom Quixote.
Edição brasileira: 296, Leya
Edição croata: 208, OceanMore

 

 


Inês Pedrosa: "Não podemos passar a vida a adiar os nossos sonhos"
Esta é a convicção de uma mulher que se diz livre. Com uma nova obra nas livrarias, Desamparo, a escritora é tudo menos desamparada e apesar do peso deste título gostava que os leitores reconhecessem o seu lado mais divertido, que também o tem. Nós confirmámos isso mesmo numa generosa e muito bem-disposta entrevista.

Naturai de Lisboa, onde nasceu em 1962, Inês Pedrosa licenciou-se em Ciências da Comunicação pela Universidade de Lisboa, iniciando a sua actividade profissional aos 19 anos de idade como jornalista. Trabalhou na imprensa, na rádio e na televisão e entre 2008 e 2014 foi diretora da Casa Fernando Pessoa. Mantém desde há 13 anos uma crónica semanal na imprensa, primeiro no jornal Expresso e atualmente no semanário Sol. Entre romances, contos, crónicas, biografias e antologias tem 22 livros publicados, nomeadamente as obras Nas Tuas Mãos e Os Íntimos, ambas agraciadas com o Prémio Máxima de Literatura.

Desamparo, o título do seu mais recente romance, remete-nos para um sentimento de tristeza. Trata-se de uma história triste?
Este é um livro sobre o desamparo, que é uma palavra que implica tristeza, abandono, insegurança e uma série de outras sensações que têm que ver com a pessoa sentir-se perdida, mas que por outro lado também contém em si um desafio. A pessoa quando se sente desamparada, como que toma consciência de si mesma e isso obriga-a a resolver a situação. Nesse sentido, o livro é sobre pessoas que, de repente, se viram perdidas e tiveram de se reinventar. Creio que é um livro que, em grande parte, reflete não só o que é a situação do Portugal contemporâneo mas também do mundo.

A relação entre Portugal e o Brasil está uma vez mais em evidência, o que já vem sendo uma constante na sua obra.
Desde criança que tenho um enlevo muito grande pelo Brasil. Antes mesmo de lá ter ido já era completamente fascinada por aquele povo, que me era dado a conhecer através da música e da literatura. Depois, desde a primeira vez que o visitei, fiquei completamente apaixonada pelo país, que tem tido a gentileza de me tratar muito bem.

Sente essa mesma generosidade para consigo e para com a sua obra em Portugal?
Apesar de não me poder queixar, ninguém é profeta na sua terra. Em algum momento das suas vidas todos os escritores, quando têm a sorte de conseguirem chegar a outro país, sentem que lá os tratam melhor. Por outro lado, é mais fácil ser-se profeta noutra terra porque quando um escritor é reconhecido não é de certeza por simpatizarem com os seus lindos olhos, mas pela obra em si, e isso é muito gratificante.

Em Portugal a crítica passa muito por simpatias e antipatias pessoais?
Isto é tudo muito pequenino e, infelizmente, tudo se resume a amores e desamores, às vezes até rotativos e mutantes. Num país onde ninguém nos conhece, a crítica é feita única e exclusivamente pelos livros. Além disso, no Brasil existem muitos encontros literários para os quais sou chamada, que têm o bom hábito de pagar aos escritores, coisa que em Portugal, onde tudo é feito por amor à arte, não acontece. Mais do que uma questão económica é também uma questão de respeito para com o nosso trabalho.

Fechada a porta da Casa Fernando Pessoa, à frente da qual esteve nos últimos anos, foi gratificante poder focar-se única e exclusivamente na literatura?
Apesar de nos últimos seis anos ter continuado a publicar, acho que podemos dizer que sim. Ter três meses em contínuo para colar as pontas soltas e dedicar-me apenas ao romance em total reclusão, numa casa de família que tenho na Ericeira, fez toda a diferença. Escrever um livro de prosa exige continuidade, porque se assim não é perde-se o ritmo e é muito difícil repegar na história. Os livros que fiz, tendo outras atividades em simultâneo, sofreram um bocado com isso. Lembro-me, por exemplo, do Fazes-me Falta, que foi o primeiro romance que escrevi em contínuo. Foi de tal maneiras arrebatador que o escrevi à mão. Poder cozinhar e escrever um livro em exclusividade dá-me muito mais segurança em relação ao resultado final.

Essa dedicação a tempo inteiro é para manter?
Cada vez tenho mais a certeza de que quero dedicar-me à escrita a cem por cento. Não podemos passar a vida a adiar os nossos sonhos. Desde que pensei que queria ser escritora até ter escrito o primeiro romance fui sempre adiando o sonho, e o problema é que quanto mais se vai lendo, quanto mais informação e formação se vai absorvendo, mais medo se ganha. Mas no meu caso, esse ímpeto para escrever foi sempre acompanhado de um outro para fazer outras coisas, porque gosto de ser interventiva, de fazer serviço público e de trabalhar em equipa. Tenho sempre estes dois lados em conflito.

"Para se ser romancista é preciso sentir a vida"

Agustina Bessa Luís diz que a experiência não é o mais importante para se escrever. Se assim é, o que importa verdadeiramente?
Ela acrescenta que o que é importante é a compaixão, no sentido da partilha da paixão alheia. Nós nunca poderemos ter a experiência de tudo, o que podemos é tentar ter uma maior capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, isso é a compaixão, que é muito difícil, pois exige bastante atenção. Para mim essa é a grande solução do romance, a pessoa colocar-se no lugar do outro, daí o romance ser tão importante hoje em dia, numa época em que enfrentamos perigos ditatoriais com extremismos diversos. Os romances, são muito heterodoxos e muito provocatórios, porque nos dão a conhecer toda a gente como igualmente digna, independentemente das suas crenças, dos seus modos de vida, dos seus pecados. Os romances são instrumentos de quebra das ideias feitas. Por isso é que para se ser romancista é preciso sentir a vida.

Qual é a palavra que melhor a define?
Liberdade. Pelo menos essa é a palavra de que mais gosto. Eu não me zango com ninguém por ser ideologicamente diferente de mim, mas há princípios éticos dos quais não abdico. Para mim a amizade é um posto, tal como a gratidão, a honestidade, a lealdade e a frontalidade. O que acho extraordinário é que haja pessoas que me escrevem a dizer que ficaram muito tristes com o que escrevi em certas e determinadas crónicas porque hão esperavam aquilo de mim. Eu prefiro que me digam que ficaram revoltadas e me expliquem por que é que discordam. Esta ideia de que por sermos simpáticos temos todos de pensar o mesmo é muito portuguesa, muito tonta, estraga as relações e, pior do que isso, trava o avanço do pensamento. Nós temos muito medo de pensar pela nossa própria cabeça, de verbalizar o que pensamos e de sermos mal vistos.

Essa perceção condiciona a sua escrita?
Não, a chantagem emocional já esteve sobre mim, mas apenas quando era mais nova e queria agradar ao mundo. Quando escrevo penso sempre que não posso ter medo, porque no dia em que eu tiver medo deixo de escrever, porque deixo de ser livre e eu tive a sorte de crescer perto de um capitão de abril, que se chamava Hugo dos Santos, que me dizia sempre: "tu nunca tenhas medo de ser quem és, porque nós arriscámos a nossa vida para que cada um pudesse ser quem é. Tu não tens de ter medo de nada. O mundo é teu". E é isso que eu procuro passar à minha filha, que cresce cada vez mais numa cultura do medo.

Não há medos que lhe tirem o sono?
Não. Durante muitos anos a culpa tirou-me o sono. Tinha sempre a sensação de que estava a falhar em alguma coisa. Mas hoje, com 52 anos, depois de muita aprendizagem e trabalho interior, já nem isso me tira o sono. Contudo, continuo muito ansiosa, impaciente e pessimista, gostava de conseguir gerir melhor essa ansiedade. A minha mãe costumava dizer-me que isso passava com o tempo, mas não passa, piora até, porque hoje tenho necessidade de ver as coisas resolvidas mais depressa. Como tenho menos tempo também tenho mais urgência em escrever, o que faz com que seja menos diplomata e faça menos fretes. A idade tem a vantagem de nos permitir reconciliar connosco e eu estou numa fase muito feliz. Apesar de já não contar com isso casei-me há poucos meses e ter a sorte de poder ter ao nosso lado alguém com quem partilhar a vida dá-nos uma grande serenidade.

Deixou de estar desamparada?
Realmente não me sinto nada desampara. O amor é também um estado de abertura ao mundo, que não nos fecha. Quanto melhor eu estiver, mais disponível estou para perceber os outros, porque se eu estiver desfeita no meu desespero não consigo sair de mim. Apesar disso nunca serei uma pessoa serena, gostava muito de o ser, mas nunca o serei.

Quem escolheria para partilhar consigo o exílio, se ficasse numa ilha deserta, e pudesse escolher três pessoas, que não da família?
Pergunta difícil essa. Escolhia que a Agustina ficasse boa de saúde e levava-a comigo, porque ela é sempre uma excelente companhia, muito divertida e imaginativa, com muitas histórias para contar. Levava o Caetano Veloso, que se daria muito bem com a Agustina e levava o Rui Zink. Tenho a certeza de que nos iríamos divertir muito, até porque eu e o Rui somos suficientemente empreendedores para construirmos uma jangada e rapidamente escaparmos da ilha. (Risos).

O que é que lhe faz falta hoje em dia?
Mais uns trocos fixos ao fim do mês era bom.

E esses trocos dar-lhe-iam para realizar que sonhos?
O meu sonho é escrever e poder pagar os estudos à minha filha. Ela vai agora fazer um intercâmbio nos Estados Unidos e depois gostava de poder ir para uma escola de cinema americana. Apesar de economicamente ser um sonho difícil de cumprir gostava de conseguir ajudá-la a realizá-lo, apesar de a separação me ir custar, obviamente. Mas eu sempre a criei para o mundo, não a criei para mim.

"Quando escrevo penso sempre que não posso ter medo. No dia em que eu tiver medo deixo de escrever, porque deixo de ser livre"

À QUEIMA-ROUPA
Um livro de e para sempre

Novas Cartas Portuguesas, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa

Uma canção para ouvir em repeat
O Primeiro Dia, de Sérgio Godinho.

Um local onde vale sempre a pena regressar
Rio de Janeiro.

A memória mais forte da infância
Os passeios de barco peio Rio Nabão, em Tomar, com o meu avô materno a recitar Camões.

Um motivo de arrependimento
Nunca me arrependo, apenas aprendo.

O que é que a faz corar?
Os elogios.

Qual é o seu ponto fraco?
O coração.

Quando foi a última vez que fez alguma coisa pela primeira vez?
Hoje.

Quando tem de preencher um formulário em que apareça o campo profissão, o que é que escreve?
Escritora e jornalista, que é o que eu sou. A profissão de jornalista é uma profissão de que eu muito me honro, mas digo também escritora porque na verdade hoje em dia essa é a minha maior função.

Entrevista por Marta Ferreira. "Figura da Semana", Dica da Semana (edição de 26 março de 2015)

 

 
 
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