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Desamparo | Entrevista | Carla Macedo | Lux Woman

 

Dentro de Ti Ver O MarDesamparo – Romance
de Inês Pedrosa
Edição portuguesa: 320 páginas, Dom Quixote.
Edição brasileira: 296, Leya
Edição croata : 208, OceanMore

 


Inês Pedrosa: "O livro está cheio de Brasil, sim, e da beleza arrasadora de Portugal, e da capacidade transfiguradora da alegria e da esperança humanas."

Entrevista com a autora de Desamparo, um livro apaixonante.

O livro Desamparo é um retrato atual do país, sem floreados – mostra a pobreza incapacitante da ex-classe média, as condições de vida no limite do cansaço, tão comuns entre nós hoje em dia, a morte dos velhos sozinhos, a impossibilidade de os filhos cuidarem deles enquanto vivem, a violência sobre as mulheres, a pequena corrupção, o fastio pelos políticos. Mas mostra também uma parte bonita – a capacidade de resolver problemas imediatos, a consolação que existe na nossa forma de ser e a crença no amor verdadeiro. Com uma escrita clara, em que cada palavra ali está por uma razão que importa à narrativa, o livro é lindíssimo. Inês Pedrosa explica-nos o romance que escreveu.

Este livro é um cru retrato do país, escreveu-o para quem?
Quem escreve para sentir, compreender e interrogar o mundo não escreve para um leitor em particular, e é esse o meu caso. Vejo o romance como uma forma de arte reflexiva, que busca iluminar as zonas de sombra do individuo e da sociedade, e foi isso que procurei fazer neste Desamparo. Aquilo que vivemos é sempre singular e subjetivo, não há uma visão nem uma verdade únicas, pelo que esse retrato que diz 'cru' é matizado pela perspetiva particular de cada personagem – e pelo humor que atravessa todos os meus romances, porque acredito que o riso nos aproxima e nos amplia o conhecimento do mundo.

É uma narrativa com uma mensagem clara: estamos desgraçados. Está na hora de a literatura engagée regressar?
Discordo absolutamente de que Desamparo contenha essa 'mensagem' de desgraça. Pelo contrário: vemos um conjunto de personagens muito diferentes em situações-limite: algumas desesperam, outras reinventam-se, ousam procurar a felicidade. O mundo vive um período de transição acelerada em que os modelos económicos tradicionais deixaram de funcionar e precisamos de encontrar outros modelos, mas a História prova-nos que temos muita sorte em viver nesta época – eu, pelo menos, detestaria ter nascido antes da invenção da anestesia, por exemplo (meados do Séc. XIX), ou da criação de direitos iguais entre homens e mulheres (em Portugal só garantida a partir da Constituição de 1976i). Toda a literatura digna do nome é engagée - de D.Quixote, de Cervantes, até O Amante, de Marguerite Duras, das crónicas de Fernão Lopes até O Delfim, de José Cardoso Pires, ou Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago.

O problema não é sequer só português - o livro está cheio de Brasil, a ação passa-se também nos EUA... Aparentemente, não há muita esperança para o mundo?
O livro está cheio de Brasil, sim, e de samba, e de paixão, e do deslumbramento do Rio de Janeiro, e fala do encanto de Berkeley, nos Estados Unidos, e da beleza arrasadora de Portugal, e da capacidade transfiguradora da alegria e da esperança humanas.

"O torno do mundo volta a rodar" é uma frase que até daria esperança, não tivesse Alice acabado de morrer, em circunstâncias muito parecidas com as da morte de Jacinta. Não há remédio para o país?
Alice morreu? Tem a certeza? Eu não. Creio que nada no romance aponta para um país sem remédio. Como diz Raul no final do penúltimo capítulo, "Este país que se diz triste é afinal um lugar de consolação".

Tem uma proposta de mudança para o país? O que é que é preciso fazer? Quem é que tem de mudar?
O pensamento, a palavra e o amor tudo resolvem – é através destes elementos que sobrevivemos. Por isso escrevo. "O tomo do mundo não para de rodar" – já nos levou até Marte.

Entrevista de Carla Macedo in Lux Woman (Edição de 01/04/2015)

  

 
 
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